A CRIANÇA ENTRA E COMEÇA A FALAR COM O
PÚBLICO SEM ENTENDER NADA QUE ESTÁ ACONTECENDO COM ELA.
Eu
to muito triste! Tudo tá muito estranho. Sinto falta das brincadeiras na casa
da minha avó, dos dias das mães, dos aniversários, dos almoços de domingo, das festas
de Santa Rita de Cássia... Minha mãe comprava roupa nova pra gente, meu avô
pegava seu saquinho de café, onde ele guardava um dinheirinho e dava sempre um
pouco pra cada um de seus netos, pra gente comer maçã do amor, comprar
estalinho (aquelas trouxinhas de papel com pólvora que a gente joga no chão faz
um explode!), pra brincar nos parquinhos... Ai! Que saudade das fogueiras que
eu ascendia com meus primos, das comidinhas que fazíamos nessas fogueiras...
A
fumaça ia pra roupas lavadas da minha avó e ela ficava brava com aquilo. Minha
avó reclamava com meu avô e ele saia correndo atrás da gente! A gente adorava!
Era emocionante sair correndo com a sensação de ter alguém quase alcançando a
gente! Quase! Porque na maioria das vezes meu avô não alcançava nenhum de nós!
Mas
hoje, eu não sei o que está acontecendo. Eu acho que a minha família não gosta
mais de mim. Eu falo com eles, mas eles não me respondem, eu faço barulho,
pulo, corro, faço de tudo pra chamar a atenção deles, mas não adianta. Às vezes
eu deito do lado da minha mãe, na hora de dormir, faço carinho nela, dou
beijinhos, mas ela não gosta. Começa a chorar, então eu paro e volto pra minha
cama, que está sempre arrumadinha. Os meus brinquedos, que espalho pela casa,
acabam sempre voltando pro lugar, a Fran sempre guarda tudo pra mim. Ela é a
minha babá. A única que eu acho que gosta de mim, porque ela conversa comigo,
diz que vai ficar tudo bem. Mas eu não estou mais agüentando, desde que eu
desobedeci a minha mãe e fui brincar no poço do jardim, ninguém mais me trata
bem. Eu sempre peço desculpas, imploro pra me perdoarem, juro que nunca mais
vou fazer de novo, mas não adianta, eles começam a chorar e me ignoram. Não sei
mais o que eu faço! Me sinto muito sozinha! Eu não devia ter ido brincar no
poço! Fiz coisa feia!
Minha
mãe sempre me dizia pra eu não brincar no poço que era perigoso e eu
desobedeci! Ela dizia que quem desobedece sempre se dá mal! E é “batata”! Eu aproveitei que a Fran tava
fazendo o um almoço e fui brincar no poço, só que estava escorregadio e aí eu
caí. Senti uma dor muito, muito forte, uma dor que nunca senti antes, gritei
muito, mas aí de repente eu durmi e a dor passou. Eu acordei numa cama com um
monte de médicos em volta de mim. Um deles vem me visitar todos os dias. Se
chama Emmanuel e mora num lugar muito distante. Vive pedindo pra eu ir lá
conhecer sua casa. Eu bem queria ir, mas vou ficar com muitas saudades de todo
mundo aqui. Prometi que hoje ia passar o dia com ele, mas ele não apareceu até
agora. Será que ele me esqueceu, será que ele também não gosta de mim?
Ih
olha ele ali! (Não aparece ninguém.) Oi Emmanuel, to aqui! Pensei que você não
vinha mais, pensei que tinha esquecido de mim!
O
que?! Ai, eu não quero ir não! Porque eu tenho que embora? Minha mãe não gosta
mais de mim, ninguém gosta... (chora) É! Ah, então ta, então eu vou! Perai
deixa eu me despedir dos meus amigos...
(platéia)
Tchau amiguinhos! O Emmanuel disse que eu vou pra um lugar muito legal, bonito
e com muitos bichinhos e muitas crianças pra brincar comigo. Disse também que
eu vou aprender muito e que um dia eu vou entender porque minha mãe, meu pai e
todo mundo da minha família pararam de falar comigo e porque eles choram tanto.
Mas me disse também que vai ficar tudo bem e que minha mãe vai me encontrar em
breve. (grita pro nada) Já vou Emmanuel!
Tenho
que ir amiguinhos! Tchau!
SAI DE CENA.
(Thalita Rocha, julho de 2007.)